Rosental era correspondente do “Jornal do Brasil”, no México, e ganhou o apelido de Rosentelex, porque nenhum outro correspondente estrangeiro era tão rápido quanto ele para escrever as matérias no telex, usando apenas três dedos. A reportagem aconteceu no auge da era analógica de Rosental. Alguns anos mais tarde, ele passaria a ser conhecido como o guru da mídia digital e grande incentivador do jornalismo investigativo na América Latina. Por sua contribuição ao jornalismo, foi homenageado pela Abraji no 6º Congresso Anual, em 2011.
© Elena Hermosa/Trocaire
Reconstituiu o massacre da aldeia San Francisco -na qual 302 pessoas foram mortas – a partir do relato do camponês Mateo Ramos Paiz. Os soldados chegaram por volta das 11 horas, de todos os lados, “como formigas”. Os homens foram confinados na delegacia rural – ou “juzgado”- e as mulheres e crianças, levadas para uma capela e mortas. Paiz viu pela fresta um soldado abrir a barriga de um menino e jogar o corpo, com as tripas à mostra, dentro da capela. “Não passou pelas minha cabeça fugir. Por que fugir? Minha família já estava morta”. Mas ele escapou ao ficar sob um monte de corpos e pôde contar a história.
Quando entrou na selva, levava na bagagem a experiencia da cobertura da Guerra das Malvinas, na Argentina, e de ter sido repórter freelancer em Madri. Foi uma matéria sobre os pactos de Moncloa – os acordos aprovados em 1977 que consolidaram a democracia na Espanha – que lhe deu a vaga de correspondente efetivo do “Jornal do Brasil” em Buenos Aires. De lá foi ser correspondente no México e, mais tarde, nos Estados Unidos (em Washington).
No livro “Até a Última Página”, sobre a história do JB, o jornalista Cezar Motta descreve um momento de grande estresse para Rosental logo depois que ter assumido o posto em Buenos Aires. Ele foi ao Paraguai cobrir as solenidades de 25 anos da ditadura do general Alfredo Stroessner, e chegou justo no dia em que o ex ditador da Nicarágua, Anastacio Somoza, desembarcava em Assunção como refugiado, e era recebido com honrarias.
-“A coisa ficou definitivamente feia e perigosa quando Rosental apurou que cerca de trinta refugiados do Chile, Argentina e Uruguai estavam desaparecidos naquele pais”, diz Motta, no livro. Rosental tinha a informação de que entre os presos estavam o argentino Oswaldo Landi, sua mulher Ofélia Landi e a filha do casal de dois anos e meio. Ele fez, então, o que os jornalistas devem fazer: questionou o governo paraguaio sobre o paradeiro dos três. “É mentira. (…)Desafio que provem o contrário. Os Landi foram deportados para o Uruguai”, trovejou o então ministro do Interior, Sabino Montanaro. Rosental insistiu com mais perguntas e recebeu mais evasivas como respostas. A entrevista foi publicada pelo JB com chamada na primeira página.
Foi atendido pelo vice-cônsul de plantão, que o levou para a casa dele. O livro reproduz trechos de uma conversa cifrada do cônsul, em espanhol, com alguém ao telefone, que, naturalmente, foi presenciada por Rosental:
-Tenho um pacote diplomático daqueles bem complicados para o exterior, para o Brasil…
-Alguma coisa a ver com contrabando de carros?
-Não.
– Tráfico?
-Não. Jornalista.
-Ih!. Isso é pior e mais complicado.
O livro informa que Rosental escapou de carro para o Paraná e de lá ganhou o caminho de volta para Buenos Aires. Ele tinha 27 anos quando viveu essa aventura.
A trajetória profissional de Rosental Calmon é dividida em duas fases: a do jornalista ativo e multitarefas, e a vida acadêmica nos Estados Unidos. A primeira é anterior à internet, e poderia ser chamada de “Rosental analógico”. Ela se estendeu de 1968 a dezembro de 1995. A segunda começou em janeiro do ano seguinte, quando ele se tornou professor vitalício de mídia digital da Universidade do Texas, em Austin, e assumiu um novo papel, ainda mais importante do que o anterior: de fomentador do jornalismo investigativo na América Latina.
A história do Rosental analógico começa quando ele ainda era estudante secundarista do Colégio Aplicação, escola mantida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Era um adolescente de classe média, morador da Zona Sul, mas não um adolescente típico: aos 16 anos, despertou para o jornalismo e ficou obcecado pela ideia de ser repórter. O grêmio estudantil do Colégio Aplicação tinha um jornalzinho chamado “A Roda”, do qual participava. O jornal era impresso na gráfica do “Correio da Manhã” e ali ele teve o primeiro contato com o clima de redação. O país vivia sob o regime militar. Era o começo dos “anos de chumbo”, mas ainda existiam muitos jornais impressos no Rio de Janeiro. Rosental comprava quatro ou cinco jornais por dia, recortava as reportagens mais relevantes e comparava o modo como cada um cobria determinado assunto. “Foi assim que aprendi que os textos começam pela informação mais importante, pelo lead”, afirmou.
Pelos jornais, descobriu que existia um curso de nível médio no centro da cidade que ensinava jornalismo, e se matriculou. A direção do curso relutou em aceitá-lo, pela pouca idade, mas ele insistiu. As aulas eram à noite, às segundas, quartas e sextas. Ele conta que recebeu o diploma das mãos do ex-presidente Juscelino Kubitschek; comprou um terno na loja popular mais conhecida na cidade, chamada Ducal, e foi à luta em busca de oportunidade de estágio. A oportunidade surgiu em razão de seu parentesco com o então diretor geral dos Diários Associados e ex-senador João Calmon, de quem é sobrinho. Foi aceito como estagiário, sem remuneração, no “O Jornal”, que fazia parte dos Diários Associados, mas continuou engajado no movimento estudantil.
Um dos episódios dos quais mais se orgulha foi ter participado de um movimento dos estudantes secundaristas pela criação da AEI (Associação Estudantil de Imprensa), que visava reunir os jornais dos grêmios estudantis. O movimento contava com o apoio do “Correio da Manhã”. Os estudantes fizeram uma reunião para fundar a associação, em frente à sede do jornal, e todos acabaram presos e levados para depor na sede do temido DOPS. Depois disso, a família o mandou para concluir o ensino médio em Vitória, no Espírito Santo, onde estaria sob a vigilância de um irmão mais velho. Mas, ao chegar lá, seu radar o levou a se enturmar com os jornalistas locais e logo começou a trabalhar como repórter. Até os 20 anos, quando voltou a morar no Rio, experimentou quase todas as funções na mídia local capixaba, inclusive a de fotógrafo.
Rosental voltou para o Rio porque estava enfronhado nas redações antes de fazer faculdade. Como ainda não existia curso superior de jornalismo no Espírito Santo, ele cedeu à pressão da família e retornou para prestar vestibular na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ironicamente, para um futuro correspondente estrangeiro, foi reprovado por não saber inglês. Acabou se matriculando em uma faculdade particular e conseguiu emprego como redator na Rádio “Jornal do Brasil”.
No quarto período na faculdade, recebeu uma proposta de trabalho inusitada: dar aula de radiojornalismo no curso de comunicação da Universidade Federal Fluminense. Com 21 anos de idade, virou simultaneamente professor e aluno de jornalismo. “Ele era um excelente professor, porque trazia a experiência do mercado do trabalho e as aulas eram muito animadas”, recorda a jornalista Terezinha Lopes, uma das ex-alunas dele na UFF.
Já evidenciava uma de suas características: ser workaholic. Cursava a faculdade de jornalismo pela manhã, trabalhava como redator de rádio à tarde e, à noite, pegava a “Cantareira” – barco de passageiros entre Rio e Niterói – para lecionar na UFF. E ainda arrumava tempo para fazer reportagens, como freelancer, para o “Jornal do Brasil”. Um desses trabalhos extras foi a cobertura da “Caravana Ecológica” de ativistas do Rio de Janeiro ao Espírito Santo, em outubro de 1977, para apoiar o cientista Augusto Ruschi, especialista em orquídeas e beija-flores. Ruschi enfrentava uma batalha contra o governo do Espírito Santo para impedir a privatização de uma reserva florestal que era o habitat de 3 mil beija-flores. Os ativistas foram em um ônibus, com faixas de protesto na lataria, seguido por 20 carros com jornalistas e cinegrafistas. Diante da repercussão nacional, o então governador, Élcio Alvares, recuou e manteve a reserva.
Era editor executivo quando PC Farias, o famoso tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello, foi preso na Tailândia e repatriado para o Brasil, no começo de dezembro de 1993. O lado repórter de Rosental aflorou e ele foi a Bangkok acompanhar a devolução do preso. Sua passagem, como as dos demais repórteres, era de classe econômica. Na última hora, PC foi colocado na classe executiva, ao lado do delegado da Polícia Federal. Rosental conseguiu um “upgrade” para a executiva e passou a viagem conversando com o preso. Foi uma combinação de sorte e ousadia e obteve um furo de reportagem. PC lhe contou que pagou todas as suas despesas no exterior em dinheiro vivo e que contava em obter o perdão do rei da Tailândia para permanecer no país. O famoso prisioneiro foi xingado de “ladrão” por uma passageira e estava com tanto medo de ser algemado que confundiu o fone de ouvido do delegado com algemas. A matéria foi transmitida para o jornal durante o voo e publicada em segunda edição pelo JB. No dia seguinte, Rosental pôs no papel um impressionante compilado da visão de PC Farias sobre seu próprio futuro e sobre sua relação com os políticos e com o empresariado brasileiro.
Rosental foi pioneiro entre os jornalistas brasileiros em compreender que os jornais impressos teriam de se adaptar aos novos tempos para sobreviver, porque as notícias iriam envelhecer cada vez mais rápido e os leitores passariam a exigir informações em tempo real. Teve esse insight quando os repórteres ainda datilografavam suas matérias em máquinas de escrever presas nos tampos das mesas; saiam para cumprir as pautas com os bolsos pesados de fichas telefônicas e sequer sonhavam com a criação do telefone celular. Entendeu que o jornalismo impresso seria varrido por um tsunami ao fazer um curso em Harvard, em 1988, e diz que aquele foi seu “momento aha!”, de descoberta.
Retornou para o Rio de Janeiro ansioso para colocar em prática um projeto de modernização no “Jornal do Brasil”: um boletim de notícias instantâneo conectado aos 1.300 terminais de computador da Bolsa de Valores do Rio. Era o embrião dos boletins online. Alguns anos depois, quando a Web ainda engatinhava, convenceu a família Nascimento Brito -proprietária do jornal – a lançar o JB online.
Em janeiro de 1996, deixou o Brasil para se tornar professor da cadeira de mídia digital da Universidade do Texas, em Austin. Poderia ter se acomodado no cargo de professor vitalício, mas fez o contrário: aproveitou sua posição na universidade para fomentar o jornalismo investigativo na América Latina. Virou um andarilho e missionário digital:
“Eu não escrevia nem publicava teses sobre o assunto. Fazia palestras, evangelizava. Dizia aos donos de jornal: Vem um tsunami aí. Vocês estão comendo camarão frito na praia e admirando o céu azul, mas precisam achar um lugar alto para se abrigarem”, disse ele.
O apoio de Rosental, através do Knight Center, foi essencial na fundação da Abraji e de associações equivalentes em outros países, como o Fórum de Jornalismo da Argentina (Fopea), do Paraguai (Fopep) e da Colômbia (Sala de Redacción). Rosental é consultor de inúmeras instituições na América Latina. Uma delas é a Fundação Gabriel Garcia Marquez.
É impossível entrevistá-lo sem se contaminar por sua energia que desafia a idade cronológica. Nasceu em dezembro de 1951, no bairro do Méier, na zona norte do Rio de Janeiro, e mantém o entusiasmo de quando estreou como repórter. Suas frases são pontuadas com exclamações do tipo “fantástico”, “incrível” e “maravilhoso”. Miriam Leitão o definiu em uma de suas colunas como “jornalista com tinta nas veias”.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Abraji: Quais são as características necessárias para ser um bom repórter?
Rosental: Saber entrevistar, saber fazer perguntas e saber ficar calado. O mais difícil é saber ficar calado, deixar o entrevistado falar. Não sou muito bom nisso, mas aos poucos fui aprendendo. O repórter chega nas entrevistas excitado e com a adrenalina no alto, mas os momentos de silêncio são muito importantes. A persistência também é fundamental: acreditar na pauta e puxar o fio da meada aos poucos. O Gabo (Gabriel García Márquez) disse uma coisa que eu acho superimportante: O repórter precisa olhar para onde os outros repórteres não estão olhando. Precisa sair da matilha e olhar em volta. Também aprendi com uma aluna – uma escritora de livros – que é preciso estar atento para os pequenos detalhes. Eu não dava importância aos detalhes e eles são a característica do jornalismo literário. Os detalhes emolduram e embelezam o texto. Não fui muito de fazer jornalismo literário. Fui um repórter das notícias duras.
Abraji: Você começou adolescente, no extinto “O Jornal”, dos Diários Associados. Era um repórter tímido ou do tipo perguntador?
Rosental: Perguntador e atirado. Um dos episódios que mais me marcaram foi à visita à Ilha Grande, onde ficavam os presos políticos. O chefe de reportagem avisou que os interessados em fazer a cobertura deveriam estar na redação as 5h da manhã. Só eu me apresentei. O carro do jornal quebrou no caminho. Consegui chegar lá a duras penas, de carona, mas foi uma visita incrível: vi os presos políticos misturados aos presos comuns. Na hora de voltar, peguei carona com a equipe da revista “O Cruzeiro”. Foi um erro crasso, porque a equipe da revista não tinha preocupação com horário. Cheguei super tarde na redação e precisava escrever o texto às pressas. Mas eu tinha me esquecido de aprender datilografia, e só digitava com três dedos. Passei as informações para um veterano escrever. Até hoje só digito com três dedos, mas aprendi a ser rápido.
Abraji: “O Jornal” chegou a te pagar salário?
Rosental: Não. Logo depois fui para o Espírito Santo. Minha família estava preocupada com meu engajamento no movimento estudantil e me mandou morar com meu irmão em Vitória para concluir o ensino médio. Morávamos numa república de estudantes, onde conheci outro jornalista, que anos mais tarde veio a ser senador e governador: o Gerson Camata. Ele me apresentou o chefe de reportagem do jornal “O Diário”, onde ganhei meu primeiro pagamento como repórter, com uma matéria sobre os indígenas. Me deram dez Cruzeiros, que equivaliam a dez por cento do salário mínimo. Fui para a rua decidido a não gastar o dinheiro e emoldurar o pagamento. Mas torrei tudo no bar, comemorando. Estava com 17 anos.
Abraji: Como foi essa história de ser professor e estudante de jornalismo ao mesmo tempo?
Rosental: Eu tinha voltado para o Rio de Janeiro para fazer faculdade de jornalismo, porque não havia o curso de jornalismo no Espírito Santo. Fui reprovado no vestibular da UFRJ porque não sabia inglês, mas fui o segundo colocado no vestibular da faculdade privada Hélio Alonso. Quando eu ia começar o quarto período, o chefe do curso de jornalismo da UFF (Universidade Federal Fluminense) me procurou. Estavam em busca de um professor para a cadeira de radiodifusão. Eu tinha 21 anos e era redator da Rádio “Jornal do Brasil” que, na ocasião, era referência em radiojornalismo. Minha turma tinha 55 alunos, e a maioria era mais velha do que eu. Havia repórteres do JB entre eles. Foi uma experiência marcante.
Abraji: O fato de não ter diploma superior não foi empecilho?
Rosental: Era um problema, mas a UFF levou em conta o meu conhecimento. E foi aquilo: só tem tu, vai tu mesmo. O mais engraçado foi que eu consegui me transferir como estudante para a ECO (Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Me apresentei ao diretor, Marcial Dias, como estudante e professor, ele ficou espantado. Perguntou se eu conhecia o famoso professor da UFF, Muniz Sodré. Respondi que sim, que acabara de sair de uma reunião de professores com ele.
Abraji: Virou correspondente internacional por ter esgotado seu interesse pelo jornalismo local?
Rosental: Eu tinha uns 24 anos e já era um obcecado pelo trabalho. Dava aulas na UFF, cumpria expediente como redator da Radio JB e fazia reportagens, como freelancer, para o caderno de cultura do jornal impresso. Como redator, eu reescrevia notícias pelas agências internacionais. O escritório da UPI (United Press International) funcionava no prédio do “Jornal do Brasil” e me tornei amigo de vários correspondentes veteranos, e isso despertou meu interesse pela cobertura internacional. Aproveitei umas férias e me matriculei em um curso em Madri. Não era um curso muito bom, mas comecei a enviar matérias de lá. Fiquei ainda mais obcecado em ser correspondente. Depois, apareceu uma vaga para correspondente freelancer em Madri e a Dorrit Harazim, que era chefe dos correspondentes internacionais do JB, me incentivou a ir. Quando voltei, me ofereceram uma vaga efetiva em Buenos Aires. Ali começou minha jornada como correspondente na América Latina.
Abraji: Dentro do jornalismo impresso, gostou mais de ser repórter ou de comandar equipes?
Rosental: Quando o “Jornal do Brasil” me trouxe de volta do México para o Rio de Janeiro, em 1983, me ofereceram cargo de editor. Mas, eu queria ser repórter de geral. Cobrir a cidade era o meu sonho, a minha inveja boa. O chefe de reportagem ficou cheio de dedos de me mandar pra favela. Me lembro de subir o morro com o fotógrafo Evandro Teixeira. Ele ficava reclamando que era um absurdo mandar um fotógrafo premiado como ele e um correspondente internacional cobrir um incêndio provocado por um bojão de gás, no morro. Mas eu estava fascinado de estar ali. Uma das reportagens que mais amei fazer naquele período foi sobre a exportação de latas de sardinha com cocaína. Era uma história fascinante. Fui fundo.
Abraji: Em que momento você percebeu que o jornalismo caminhava para a era digital?
Rosental: Em 1988. Eu estava em Harvard, com uma bolsa de estudos “fellowship” (para estudantes de todas as nacionalidades), e ouvi uma palestra de Andy Lippman, um dos fundadores do diretor do MIT Media Labs, sobre o futuro digital e sobre como a comunicação iria se encontrar com a computação. Como dizem os norte-americanos, aquele foi meu momento “ahá!”. Terminado o curso, voltei para o Brasil querendo lançar um serviço de notícias por computador. Estava fissurado com a ideia de que o mundo das comunicações iria mudar. Ainda não havia a Web. Estávamos no período pré-web, quando o “Jornal do Brasil “ lançou o SIM (Serviço Instantâneo de Notícias), em parceira com a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Era um negócio muito pequeno, com apenas três repórteres de economia (no Rio, São Paulo e Brasília). Quase não dava dinheiro. Em 1995, o jornalista Sérgio Charlab (um dos precursores do noticiário na internet), que também era da equipe, começou a colocar as edições do JB na internet. Fazia isso por conta própria, de madrugada, e sem contar para ninguém no jornal. O acesso à web ainda era feito por discagem. Quando ele me mostrou as imagens, fiquei empolgado. Procurei o dono do jornal, Jose Antônio Nascimento Brito, e fiz o mesmo que Charlab fizera comigo: mostrei a ele a edição do jornal na internet. Lançamos a edição digital um ano antes do New York Times.
Abraji: Você planejou sua carreira ou as coisas aconteceram por acaso?
Rosental: Eu nunca planejo nada a longo prazo. As coisas vão acontecendo. Sou do momento. Foi assim também quando disputei a vaga de professor na Universidade do Texas. Em outubro de 1995, ao final de um processo de 11 meses de seleção, a Universidade me comunicou que eu tinha sido escolhido e que deveria me apresentar em Austin, em agosto do ano seguinte. Eu pedi para antecipar para janeiro, porque não poderia continuar no Jornal por mais dez meses, sabendo que iria deixar o país. Não planejo quando vou me aposentar. Vou levando…
Abraji: No final dos anos 90, você enxergou que a internet iria atingir a imprensa escrita como um tsunami. Agora, você diria que a inteligência artificial será um novo tsunami?
Rosental: Essa é uma pergunta complicada, e a minha presente obsessão. Tenho a sensação de que estamos no limiar de uma outra grande transformação, mas me sinto muito desconfortável por não dominar o assunto como dominei a internet tempos atrás. Pensei que o metaverso era a ponta do iceberg dessa revolução, e errei. Eu e o Mark Zuckerberg (fundador do grupo Meta) erramos. Só que eu não perdi nada com esta aposta, a não ser talvez um pouco da minha credibilidade, e ele perdeu mais de US$ 20 bilhões. A revolução está se dando pela inteligência artificial generativa, que está causando um terremoto. As indústrias de tecnologia do Vale do Silício estão acelerando a capacidade da computação pelo mundo, que foi o que faltou ao metaverso. Há muita coisa importante acontecendo.
Abraji: Consegue identificar as mudanças que virão com a inteligência artificial?
Rosental: As pessoas estão preocupadas em saber que profissões vão desaparecer. Mas, há mais chances de você perder seu emprego para alguém que entende e sabe usar a inteligência artificial, do que para a inteligência artificial em si. A primeira coisa que precisamos fazer é perder o bloqueio de encará-la, e aprender a usá-la. Eu converso todos os dias com o chatGPT e até criei um apelido para a ferramenta: Chatty (tagarela). Conversamos sempre que estou dirigindo. Falamos sobre curiosidades, porque ela tem informações sobre tudo. Às vezes ela erra e tem alucinações e, se não sabe a resposta, inventa. Pode responder em várias línguas e entonações. É extraordinário. Conversamos sobre os limites da inteligência artificial generativa sobre o jornalismo. Ela pergunta muito também. É muito intrometida. Quer saber por que estou interessado em determinado assunto. Outro dia, perguntei à Chatty sobre as possibilidades de emprego para um jovem em Nova York e dias depois ela me perguntou se eu tinha conseguido o emprego que procurava. Essa memória é assustadora.
Abraji: A inteligência artificial pode deixar o repórter mais acomodado? Pode diminuir a relevância da apuração individual?
Rosental: Ao contrário. O repórter vai ser mais importante e acredito que estará mais preservado do que o editor. A inteligência artificial não pode apurar informação, mas pode ser um excelente copidesque. O repórter pode ir para chat (GPT ou similares) e contar o que apurou, dar o contexto da informação e pedir um texto no estilo de determinado veículo. A matéria estará escrita em poucos segundos e pode ser reescrita quantas vezes necessário até chegar ao resultado que se quer.
Abraji: Como podemos incentivar o jovem a fazer jornalismo nesse novo mundo?
Rosental: O jornalismo que conhecemos hoje é uma experiência relativamente recente, de 150 ou 160 anos e nada nos garante que permaneça no futuro. Jornalismo é contar histórias e passar informações úteis, e isso sempre existiu: é o desenho nas cavernas dos primeiros seres humanos, é o contador de histórias das tribos da Amazônia. Em todos os grupos humanos sempre existiu a figura que colhia as histórias e as repassava. A diferença é que na era da comunicação de massa essa atividade se profissionalizou, virou indústria e se expandiu.
Abraji: Você trabalhou em rádio e jornal. Com qual se identificou mais?
Rosental: Com jornal. Gosto do rádio, mas sempre busquei ir para o jornal impresso.