SOBRE
O PROJETO
DORRIT
HARAZIM
JOSÉ
HAMILTON
ROSENTAL
CALMON
JOEL
SILVEIRA
Rosental Calmon

O jornalista conectado

(...) assumiu um novo papel, mais importante do que o anterior: de fomentador do jornalismo investigativo na América Latina.

SOBRE Rosental Calmon

Rosental Calmon foi repórter na era analógica e virou precursor da mídia digital.

texto Elvira Lobato / edição Maiá Menezes / vídeo Angelina Nunes

1/7
Com que idade um repórter pode ser chamado de experiente? Depende do tempo  de estrada que tem e de quão fundo mergulhou no exercício da profissão.  Rosental Calmon Alves era um repórter muito experiente aos 30 anos, quando  entrou na selva na fronteira do México com a Guatemala para encontrar os  sobreviventes de um massacre executado pelo Exército do terrível general José  Efraín Ríos Montt, que governou o Guatemala de março de 1982 a agosto de 83.  Dez mil pessoas foram mortas pelo Exército durante o governo dele, que morreu  impune em 2018. 

Rosental era correspondente do “Jornal do Brasil”, no México, e ganhou o apelido  de Rosentelex, porque nenhum outro correspondente estrangeiro era tão rápido  quanto ele para escrever as matérias no telex, usando apenas três dedos. A  reportagem aconteceu no auge da era analógica de Rosental. Alguns anos mais  tarde, ele passaria a ser conhecido como o guru da mídia digital e grande  incentivador do jornalismo investigativo na América Latina. Por sua contribuição  ao jornalismo, foi homenageado pela Abraji no 6º Congresso Anual, em 2011.  

2/7
Ele descreveu as matanças em duas pequenas vilas camponesas guatemaltecas de população indígena: San Jose e San Francisco, ambas próximas da fronteira. O  texto foi publicado no “Jornal do Brasil” em 8 de outubro de 1982, e omitiu a  localização do correspondente para não expor os entrevistados a novos ataques.  Informou apenas que era um local de difícil acesso “onde se chega depois de  longa caminhada por uma estreita trilha numa densa região de selva”. 

© Elena Hermosa/Trocaire

Reconstituiu o massacre da aldeia San Francisco -na qual 302 pessoas foram  mortas – a partir do relato do camponês Mateo Ramos Paiz. Os soldados  chegaram por volta das 11 horas, de todos os lados, “como formigas”. Os homens  foram confinados na delegacia rural – ou “juzgado”- e as mulheres e crianças,  levadas para uma capela e mortas. Paiz viu pela fresta um soldado abrir a barriga  de um menino e jogar o corpo, com as tripas à mostra, dentro da capela. “Não  passou pelas minha cabeça fugir. Por que fugir? Minha família já estava morta”.  Mas ele escapou ao ficar sob um monte de corpos e pôde contar a história.  

Quando entrou na selva, levava na bagagem a experiencia da cobertura da Guerra  das Malvinas, na Argentina, e de ter sido repórter freelancer em Madri. Foi uma  matéria sobre os pactos de Moncloa – os acordos aprovados em 1977 que  consolidaram a democracia na Espanha – que lhe deu a vaga de correspondente efetivo do “Jornal do Brasil” em Buenos Aires. De lá foi ser correspondente no México e, mais tarde, nos Estados Unidos (em Washington). 

No livro “Até a Última Página”, sobre a história do JB, o jornalista Cezar Motta  descreve um momento de grande estresse para Rosental logo depois que ter  assumido o posto em Buenos Aires. Ele foi ao Paraguai cobrir as solenidades de 25  anos da ditadura do general Alfredo Stroessner, e chegou justo no dia em que o ex ditador da Nicarágua, Anastacio Somoza, desembarcava em Assunção como  refugiado, e era recebido com honrarias.  

-“A coisa ficou definitivamente feia e perigosa quando Rosental apurou que cerca  de trinta refugiados do Chile, Argentina e Uruguai estavam desaparecidos naquele  pais”, diz Motta, no livro. Rosental tinha a informação de que entre os presos  estavam o argentino Oswaldo Landi, sua mulher Ofélia Landi e a filha do casal de  dois anos e meio. Ele fez, então, o que os jornalistas devem fazer: questionou o  governo paraguaio sobre o paradeiro dos três. “É mentira. (…)Desafio que provem  o contrário. Os Landi foram deportados para o Uruguai”, trovejou o então ministro  do Interior, Sabino Montanaro. Rosental insistiu com mais perguntas e recebeu  mais evasivas como respostas. A entrevista foi publicada pelo JB com chamada na  primeira página. 

No dia seguinte, segundo Cezar Motta, Rosental foi aconselhado pelo  correspondente do “Estado de S Paulo” em Assunção, o paraguaio Roberto Codas,  a procurar proteção na Embaixada brasileira, porque estaria correndo risco.

Foi  atendido pelo vice-cônsul de plantão, que o levou para a casa dele. O livro  reproduz trechos de uma conversa cifrada do cônsul, em espanhol, com alguém  ao telefone, que, naturalmente, foi presenciada por Rosental:  

-Tenho um pacote diplomático daqueles bem complicados para o exterior, para o  Brasil… 

-Alguma coisa a ver com contrabando de carros? 

-Não.  

– Tráfico? 

-Não. Jornalista. 

-Ih!. Isso é pior e mais complicado. 

O livro informa que Rosental escapou de carro para o Paraná e de lá ganhou o  caminho de volta para Buenos Aires. Ele tinha 27 anos quando viveu essa  aventura. 

3/7
O começo analógico 

A trajetória profissional de Rosental Calmon é dividida em duas fases: a do  jornalista ativo e multitarefas, e a vida acadêmica nos Estados Unidos. A primeira  é anterior à internet, e poderia ser chamada de “Rosental analógico”. Ela se  estendeu de 1968 a dezembro de 1995. A segunda começou em janeiro do ano  seguinte, quando ele se tornou professor vitalício de mídia digital da Universidade do Texas, em Austin, e assumiu um novo papel, ainda mais importante do que o  anterior: de fomentador do jornalismo investigativo na América Latina. 

A história do Rosental analógico começa quando ele ainda era estudante  secundarista do Colégio Aplicação, escola mantida pela Universidade do Estado  do Rio de Janeiro. Era um adolescente de classe média, morador da Zona Sul, mas  não um adolescente típico: aos 16 anos, despertou para o jornalismo e ficou  obcecado pela ideia de ser repórter. O grêmio estudantil do Colégio Aplicação  tinha um jornalzinho chamado “A Roda”, do qual participava. O jornal era impresso  na gráfica do “Correio da Manhã” e ali ele teve o primeiro contato com o clima de  redação. O país vivia sob o regime militar. Era o começo dos “anos de chumbo”,  mas ainda existiam muitos jornais impressos no Rio de Janeiro. Rosental comprava  quatro ou cinco jornais por dia, recortava as reportagens mais relevantes e  comparava o modo como cada um cobria determinado assunto. “Foi assim que  aprendi que os textos começam pela informação mais importante, pelo lead”,  afirmou. 

Pelos jornais, descobriu que existia um curso de nível médio no centro da cidade  que ensinava jornalismo, e se matriculou. A direção do curso relutou em aceitá-lo,  pela pouca idade, mas ele insistiu. As aulas eram à noite, às segundas, quartas e  sextas. Ele conta que recebeu o diploma das mãos do ex-presidente Juscelino  Kubitschek; comprou um terno na loja popular mais conhecida na cidade,  chamada Ducal, e foi à luta em busca de oportunidade de estágio. A oportunidade  surgiu em razão de seu parentesco com o então diretor geral dos Diários  Associados e ex-senador João Calmon, de quem é sobrinho. Foi aceito como  estagiário, sem remuneração, no “O Jornal”, que fazia parte dos Diários  Associados, mas continuou engajado no movimento estudantil. 

Um dos episódios dos quais mais se orgulha foi ter participado de um movimento  dos estudantes secundaristas pela criação da AEI (Associação Estudantil de  Imprensa), que visava reunir os jornais dos grêmios estudantis. O movimento  contava com o apoio do “Correio da Manhã”. Os estudantes fizeram uma reunião  para fundar a associação, em frente à sede do jornal, e todos acabaram presos e  levados para depor na sede do temido DOPS. Depois disso, a família o mandou  para concluir o ensino médio em Vitória, no Espírito Santo, onde estaria sob a vigilância de um irmão  mais velho. Mas, ao chegar lá, seu radar o levou a se enturmar com os jornalistas  locais e logo começou a trabalhar como repórter. Até os 20 anos, quando voltou a  morar no Rio, experimentou quase todas as funções na mídia local capixaba,  inclusive a de fotógrafo. 

4/7
Estudante e professor 

Rosental voltou para o Rio porque estava enfronhado nas redações antes de fazer  faculdade. Como ainda não existia curso superior de jornalismo no Espírito Santo,  ele cedeu à pressão da família e retornou para prestar vestibular na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ironicamente, para um futuro correspondente  estrangeiro, foi reprovado por não saber inglês. Acabou se matriculando em uma faculdade particular e conseguiu emprego como redator na Rádio “Jornal do Brasil”.  

No quarto período na faculdade, recebeu uma proposta de trabalho inusitada: dar  aula de radiojornalismo no curso de comunicação da Universidade Federal  Fluminense. Com 21 anos de idade, virou simultaneamente professor e aluno de  jornalismo. “Ele era um excelente professor, porque trazia a experiência do  mercado do trabalho e as aulas eram muito animadas”, recorda a jornalista  Terezinha Lopes, uma das ex-alunas dele na UFF. 

Já evidenciava uma de suas características: ser workaholic. Cursava a faculdade  de jornalismo pela manhã, trabalhava como redator de rádio à tarde e, à noite,  pegava a “Cantareira” – barco de passageiros entre Rio e Niterói – para lecionar na  UFF. E ainda arrumava tempo para fazer reportagens, como freelancer, para o  “Jornal do Brasil”. Um desses trabalhos extras foi a cobertura da “Caravana  Ecológica” de ativistas do Rio de Janeiro ao Espírito Santo, em outubro de 1977,  para apoiar o cientista Augusto Ruschi, especialista em orquídeas e beija-flores.  Ruschi enfrentava uma batalha contra o governo do Espírito Santo para impedir a  privatização de uma reserva florestal que era o habitat de 3 mil beija-flores. Os  ativistas foram em um ônibus, com faixas de protesto na lataria, seguido por 20  carros com jornalistas e cinegrafistas. Diante da repercussão nacional, o então governador, Élcio Alvares, recuou e manteve a reserva. 

5/7
Pouco depois dessa reportagem, Rosental deu o primeiro passo para se tornar  correspondente internacional: aproveitou as férias acumuladas e fez um curso de  jornalismo em Madri. Voltou para o Brasil ainda mais obcecado pela ideia de ser  correspondente e logo surgiu uma oportunidade de voltar para a capital espanhola  e trabalhar como freelancer. Depois, foi correspondente na Argentina e no México.  Na verdade, foi correspondente na América Central, porque cobriu conflitos em El  Salvador, Nicarágua e Guatemala. Foi chamado de volta ao Brasil em 1983, e  escolheu retomar a condição de repórter dos assuntos do cotidiano, que sempre o  fascinaram. Depois de um período nas ruas do Rio de Janeiro, voltou a ser  correspondente na Argentina e, em seguida, exerceu a função também nos  Estados Unidos, em Washington. Durante do governo Collor, foi convocado pela  direção do jornal a comandar a sucursal de Brasília. Viu-se mais no papel de lobista  do que de jornalista, e não gostou. Retornou para a base. 

Era editor executivo quando PC Farias, o famoso tesoureiro da campanha de  Fernando Collor de Mello, foi preso na Tailândia e repatriado para o Brasil, no  começo de dezembro de 1993. O lado repórter de Rosental aflorou e ele foi a  Bangkok acompanhar a devolução do preso. Sua passagem, como as dos demais  repórteres, era de classe econômica. Na última hora, PC foi colocado na classe  executiva, ao lado do delegado da Polícia Federal. Rosental conseguiu um  “upgrade” para a executiva e passou a viagem conversando com o preso. Foi uma  combinação de sorte e ousadia e obteve um furo de reportagem. PC lhe contou  que pagou todas as suas despesas no exterior em dinheiro vivo e que contava em  obter o perdão do rei da Tailândia para permanecer no país. O famoso  prisioneiro foi xingado de “ladrão” por uma passageira e estava com tanto medo  de ser algemado que confundiu o fone de ouvido do delegado com algemas. A  matéria foi transmitida para o jornal durante o voo e publicada em segunda edição  pelo JB. No dia seguinte, Rosental pôs no papel um impressionante compilado da  visão de PC Farias sobre seu próprio futuro e sobre sua relação com os políticos e  com o empresariado brasileiro. 

6/7
Transição para o digital

Rosental foi pioneiro entre os jornalistas brasileiros em compreender que os  jornais impressos teriam de se adaptar aos novos tempos para sobreviver,  porque as notícias iriam envelhecer cada vez mais rápido e os leitores passariam a  exigir informações em tempo real. Teve esse insight quando os repórteres ainda  datilografavam suas matérias em máquinas de escrever presas nos tampos das  mesas; saiam para cumprir as pautas com os bolsos pesados de fichas  telefônicas e sequer sonhavam com a criação do telefone celular. Entendeu que o  jornalismo impresso seria varrido por um tsunami ao fazer um curso em Harvard,  em 1988, e diz que aquele foi seu “momento aha!”, de descoberta. 

Retornou para o Rio de Janeiro ansioso para colocar em prática um projeto de  modernização no “Jornal do Brasil”: um boletim de notícias instantâneo  conectado aos 1.300 terminais de computador da Bolsa de Valores do Rio. Era o  embrião dos boletins online. Alguns anos depois, quando a Web ainda  engatinhava, convenceu a família Nascimento Brito -proprietária do jornal – a  lançar o JB online.  

Em janeiro de 1996, deixou o Brasil para se tornar professor da cadeira de mídia  digital da Universidade do Texas, em Austin. Poderia ter se acomodado no cargo  de professor vitalício, mas fez o contrário: aproveitou sua posição na universidade  para fomentar o jornalismo investigativo na América Latina. Virou um andarilho e  missionário digital: 

 “Eu não escrevia nem publicava teses sobre o assunto. Fazia palestras,  evangelizava. Dizia aos donos de jornal: Vem um tsunami aí. Vocês estão  comendo camarão frito na praia e admirando o céu azul, mas precisam achar um  lugar alto para se abrigarem”, disse ele.  

A base para a construção desse trabalho foi o Knight Center de Jornalismo para as  Américas, que ele criou, em 2002, com o aporte de US$ 2 milhões da Knight  Foundation. Aquele foi o ano em que o jornalista Tim Lopes foi assassinado por  traficantes no Rio de Janeiro, o que levou à criação da Abraji.

O apoio de Rosental,  através do Knight Center, foi essencial na fundação da Abraji e de associações  equivalentes em outros países, como o Fórum de Jornalismo da Argentina (Fopea),  do Paraguai (Fopep) e da Colômbia (Sala de Redacción). Rosental é consultor de  inúmeras instituições na América Latina. Uma delas é a Fundação Gabriel Garcia  Marquez. 

7/7
Tornar-se pai de quatro filhos o fez buscar a estabilidade profissional, mas  continuou o mesmo na essência: “Sou um jornalista infiltrado na academia”, disse  ele nesta entrevista à Abraji, realizada no Rio de Janeiro. Ele estava no Brasil, mas teve de voltar às  pressas para os Estados Unidos, após um checkup revelar que corria risco de  infarto, felizmente debelado. Foi a primeira vez que faltou ao encontro anual da  Abraji (em 2024), e lamentou não ter compartilhado sua obsessão do momento: o impacto  da inteligência artificial no fazer jornalístico. Rosental acredita que a inteligência  artificial tornará o repórter mais importante do que o editor, e que este, sim, está  com o futuro ameaçado. “A inteligência artificial não fará o trabalho do repórter,  mas pode ser um grande copidesque”, afirma.  

É impossível entrevistá-lo sem se contaminar por sua energia que desafia a idade  cronológica. Nasceu em dezembro de 1951, no bairro do Méier, na zona norte do  Rio de Janeiro, e mantém o entusiasmo de quando estreou como repórter. Suas  frases são pontuadas com exclamações do tipo “fantástico”, “incrível” e  “maravilhoso”. Miriam Leitão o definiu em uma de suas colunas como “jornalista  com tinta nas veias”. 

Vem um tsunami aí. Vocês estão (...) na praia e admirando o céu azul, mas precisam achar um lugar alto para se abrigarem.
Vem um tsunami aí. Vocês estão (...) na praia e admirando o céu azul, mas precisam achar um lugar alto para se abrigarem.
Rosental Calmon
ENTREVISTA

A seguir, os principais trechos da entrevista: 

 

Abraji: Quais são as características necessárias para ser um bom repórter?

Rosental: Saber entrevistar, saber fazer perguntas e saber ficar calado. O mais  difícil é saber ficar calado, deixar o entrevistado falar. Não sou muito bom nisso,  mas aos poucos fui aprendendo. O repórter chega nas entrevistas excitado e com  a adrenalina no alto, mas os momentos de silêncio são muito importantes. A  persistência também é fundamental: acreditar na pauta e puxar o fio da meada  aos poucos. O Gabo (Gabriel García Márquez) disse uma coisa que eu acho  superimportante: O repórter precisa olhar para onde os outros repórteres não  estão olhando. Precisa sair da matilha e olhar em volta. Também aprendi com uma  aluna – uma escritora de livros – que é preciso estar atento para os pequenos  detalhes. Eu não dava importância aos detalhes e eles são a característica do  jornalismo literário. Os detalhes emolduram e embelezam o texto. Não fui muito de fazer jornalismo literário. Fui um repórter das notícias duras.  

 

Abraji: Você começou adolescente, no extinto “O Jornal”, dos Diários Associados.  Era um repórter tímido ou do tipo perguntador? 

Rosental: Perguntador e atirado. Um dos episódios que mais me marcaram foi à  visita à Ilha Grande, onde ficavam os presos políticos. O chefe de reportagem  avisou que os interessados em fazer a cobertura deveriam estar na redação as 5h  da manhã. Só eu me apresentei. O carro do jornal quebrou no caminho. Consegui  chegar lá a duras penas, de carona, mas foi uma visita incrível: vi os presos  políticos misturados aos presos comuns. Na hora de voltar, peguei carona com a  equipe da revista “O Cruzeiro”. Foi um erro crasso, porque a equipe da revista não  tinha preocupação com horário. Cheguei super tarde na redação e precisava escrever o texto às pressas. Mas eu tinha me esquecido de aprender datilografia, e  só digitava com três dedos. Passei as informações para um veterano escrever. Até  hoje só digito com três dedos, mas aprendi a ser rápido. 

 

Abraji: “O Jornal” chegou a te pagar salário? 

Rosental: Não. Logo depois fui para o Espírito Santo. Minha família estava  preocupada com meu engajamento no movimento estudantil e me mandou morar  com meu irmão em Vitória para concluir o ensino médio. Morávamos numa  república de estudantes, onde conheci outro jornalista, que anos mais tarde veio a  ser senador e governador: o Gerson Camata. Ele me apresentou o chefe de  reportagem do jornal “O Diário”, onde ganhei meu primeiro pagamento como  repórter, com uma matéria sobre os indígenas. Me deram dez Cruzeiros, que  equivaliam a dez por cento do salário mínimo. Fui para a rua decidido a não gastar  o dinheiro e emoldurar o pagamento. Mas torrei tudo no bar, comemorando.  Estava com 17 anos.  

 

Abraji: Como foi essa história de ser professor e estudante de jornalismo ao  mesmo tempo? 

Rosental: Eu tinha voltado para o Rio de Janeiro para fazer faculdade de  jornalismo, porque não havia o curso de jornalismo no Espírito Santo. Fui  reprovado no vestibular da UFRJ porque não sabia inglês, mas fui o segundo  colocado no vestibular da faculdade privada Hélio Alonso. Quando eu ia começar  o quarto período, o chefe do curso de jornalismo da UFF (Universidade Federal Fluminense) me procurou. Estavam em busca de um professor para a cadeira de radiodifusão.  Eu tinha 21 anos e era redator da Rádio “Jornal do Brasil” que, na ocasião, era  referência em radiojornalismo. Minha turma tinha 55 alunos, e a maioria era mais  velha do que eu. Havia repórteres do JB entre eles. Foi uma experiência marcante.  

 

Abraji: O fato de não ter diploma superior não foi empecilho? 

Rosental: Era um problema, mas a UFF levou em conta o meu conhecimento. E foi  aquilo: só tem tu, vai tu mesmo. O mais engraçado foi que eu consegui me  transferir como estudante para a ECO (Escola de Comunicação da Universidade  Federal do Rio de Janeiro). Me apresentei ao diretor, Marcial Dias, como estudante  e professor, ele ficou espantado. Perguntou se eu conhecia o famoso professor da  UFF, Muniz Sodré. Respondi que sim, que acabara de sair de uma reunião de  professores com ele. 

 

Abraji: Virou correspondente internacional por ter esgotado seu interesse pelo  jornalismo local?

Rosental: Eu tinha uns 24 anos e já era um obcecado pelo trabalho. Dava aulas na  UFF, cumpria expediente como redator da Radio JB e fazia reportagens, como  freelancer, para o caderno de cultura do jornal impresso. Como redator, eu  reescrevia notícias pelas agências internacionais. O escritório da UPI (United  Press International) funcionava no prédio do “Jornal do Brasil” e me tornei amigo  de vários correspondentes veteranos, e isso despertou meu interesse pela  cobertura internacional. Aproveitei umas férias e me matriculei em um curso em  Madri. Não era um curso muito bom, mas comecei a enviar matérias de lá. Fiquei ainda mais obcecado em ser correspondente. Depois, apareceu uma vaga para  correspondente freelancer em Madri e a Dorrit Harazim, que era chefe dos  correspondentes internacionais do JB, me incentivou a ir. Quando voltei, me  ofereceram uma vaga efetiva em Buenos Aires. Ali começou minha jornada como  correspondente na América Latina. 

 

Abraji: Dentro do jornalismo impresso, gostou mais de ser repórter ou de  comandar equipes? 

Rosental: Quando o “Jornal do Brasil” me trouxe de volta do México para o Rio de  Janeiro, em 1983, me ofereceram cargo de editor. Mas, eu queria ser repórter de  geral. Cobrir a cidade era o meu sonho, a minha inveja boa. O chefe de reportagem  ficou cheio de dedos de me mandar pra favela. Me lembro de subir o morro com o  fotógrafo Evandro Teixeira. Ele ficava reclamando que era um absurdo mandar um  fotógrafo premiado como ele e um correspondente internacional cobrir um  incêndio provocado por um bojão de gás, no morro. Mas eu estava fascinado de estar ali. Uma das reportagens que mais amei fazer naquele período foi sobre a  exportação de latas de sardinha com cocaína. Era uma história fascinante. Fui  fundo. 

 

Abraji: Em que momento você percebeu que o jornalismo caminhava para a era  digital?

Rosental: Em 1988. Eu estava em Harvard, com uma bolsa de estudos  “fellowship” (para estudantes de todas as nacionalidades), e ouvi uma palestra de  Andy Lippman, um dos fundadores do diretor do MIT Media Labs, sobre o futuro  digital e sobre como a comunicação iria se encontrar com a computação. Como  dizem os norte-americanos, aquele foi meu momento “ahá!”. Terminado o curso,  voltei para o Brasil querendo lançar um serviço de notícias por computador.  Estava fissurado com a ideia de que o mundo das comunicações iria mudar. Ainda  não havia a Web. Estávamos no período pré-web, quando o “Jornal do Brasil “ lançou o SIM (Serviço Instantâneo de Notícias), em parceira com a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Era um negócio muito pequeno, com apenas três  repórteres de economia (no Rio, São Paulo e Brasília). Quase não dava dinheiro. Em 1995, o jornalista Sérgio Charlab (um dos precursores do noticiário na  internet), que também era da equipe, começou a colocar as edições do JB na  internet. Fazia isso por conta própria, de madrugada, e sem contar para ninguém  no jornal. O acesso à web ainda era feito por discagem. Quando ele me mostrou  as imagens, fiquei empolgado. Procurei o dono do jornal, Jose Antônio  Nascimento Brito, e fiz o mesmo que Charlab fizera comigo: mostrei a ele a edição  do jornal na internet. Lançamos a edição digital um ano antes do New York Times. 

 

Abraji: Você planejou sua carreira ou as coisas aconteceram por acaso?

Rosental: Eu nunca planejo nada a longo prazo. As coisas vão acontecendo. Sou  do momento. Foi assim também quando disputei a vaga de professor na  Universidade do Texas. Em outubro de 1995, ao final de um processo de 11 meses  de seleção, a Universidade me comunicou que eu tinha sido escolhido e que  deveria me apresentar em Austin, em agosto do ano seguinte. Eu pedi para antecipar para janeiro, porque não poderia continuar no Jornal por mais dez  meses, sabendo que iria deixar o país. Não planejo quando vou me aposentar. Vou  levando… 

 

Abraji: No final dos anos 90, você enxergou que a internet iria atingir a imprensa  escrita como um tsunami. Agora, você diria que a inteligência artificial será um novo tsunami? 

Rosental: Essa é uma pergunta complicada, e a minha presente obsessão. Tenho  a sensação de que estamos no limiar de uma outra grande transformação, mas  me sinto muito desconfortável por não dominar o assunto como dominei a  internet tempos atrás. Pensei que o metaverso era a ponta do iceberg dessa  revolução, e errei. Eu e o Mark Zuckerberg (fundador do grupo Meta) erramos. Só que eu não perdi nada com esta aposta, a não ser talvez um pouco da minha  credibilidade, e ele perdeu mais de US$ 20 bilhões. A revolução está se dando  pela inteligência artificial generativa, que está causando um terremoto. As  indústrias de tecnologia do Vale do Silício estão acelerando a capacidade da  computação pelo mundo, que foi o que faltou ao metaverso. Há muita coisa  importante acontecendo. 

 

Abraji: Consegue identificar as mudanças que virão com a inteligência artificial?

Rosental: As pessoas estão preocupadas em saber que profissões vão  desaparecer. Mas, há mais chances de você perder seu emprego para alguém que  entende e sabe usar a inteligência artificial, do que para a inteligência artificial em  si. A primeira coisa que precisamos fazer é perder o bloqueio de encará-la, e  aprender a usá-la. Eu converso todos os dias com o chatGPT e até criei um apelido para a ferramenta: Chatty (tagarela). Conversamos sempre que estou dirigindo.  Falamos sobre curiosidades, porque ela tem informações sobre tudo. Às vezes ela  erra e tem alucinações e, se não sabe a resposta, inventa. Pode responder em  várias línguas e entonações. É extraordinário. Conversamos sobre os limites da  inteligência artificial generativa sobre o jornalismo. Ela pergunta muito também. É  muito intrometida. Quer saber por que estou interessado em determinado  assunto. Outro dia, perguntei à Chatty sobre as possibilidades de emprego para  um jovem em Nova York e dias depois ela me perguntou se eu tinha conseguido o  emprego que procurava. Essa memória é assustadora.  

 

Abraji: A inteligência artificial pode deixar o repórter mais acomodado? Pode diminuir a relevância da apuração individual? 

Rosental: Ao contrário. O repórter vai ser mais importante e acredito que estará  mais preservado do que o editor. A inteligência artificial não pode apurar  informação, mas pode ser um excelente copidesque. O repórter pode ir para chat (GPT ou similares) e contar o que apurou, dar o contexto da informação e pedir um  texto no estilo de determinado veículo. A matéria estará escrita em poucos  segundos e pode ser reescrita quantas vezes necessário até chegar ao resultado  que se quer.  

 

Abraji: Como podemos incentivar o jovem a fazer jornalismo nesse novo mundo?

Rosental: O jornalismo que conhecemos hoje é uma experiência relativamente  recente, de 150 ou 160 anos e nada nos garante que permaneça no futuro. Jornalismo é contar histórias e passar informações úteis, e isso sempre existiu: é o  desenho nas cavernas dos primeiros seres humanos, é o contador de histórias  das tribos da Amazônia. Em todos os grupos humanos sempre existiu a figura que  colhia as histórias e as repassava. A diferença é que na era da comunicação de  massa essa atividade se profissionalizou, virou indústria e se expandiu.  

 

Abraji: Você trabalhou em rádio e jornal. Com qual se identificou mais?

Rosental: Com jornal. Gosto do rádio, mas sempre busquei ir para o jornal  impresso.

REPORTAGENS
Guatemalteco acusa Exército de massacre
Guatemalteco acusa Exército de massacre
PC vibra com o escândalo das empreiteiras
PC vibra com o escândalo das empreiteiras
Paraguai prende 30 refugiados da América do Sul
Paraguai prende 30 refugiados da América do Sul