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PC vibra com o escândalo das empreiteiras

Rosental Calmon
PC vibra com o escândalo das empreiteiras

(”Jornal do Brasil”, 4 de dezembro de 1993)

Prisioneiro acha que denúncias ajudam sua defesa, tenta conquistar interlocutores e confirma que queria sair da clandestinidade

Ao entrar no avião da Varig, em Bancoc, Paulo César Farias podia se sentir chegando ao Brasil: Uma passageira o saudou com um “Oi, ladrão”. Mas a viagem de 22 horas até São Paulo foi muito agradável e ele passou pelo menos a metade do tempo dando entrevistas e tentando convencer os repórteres de que em breve deixará de ser o inimigo número um do país. PC falava como advogado, sem ameaçar ninguém, defendo Collor e fazendo críticas apenas aos governos do Brasil e da Tailandia, pela forma como foi preso.

PC deu uma gargalhada e fez um gesto de quem comemora um gol, ao saber que o senador Bisol tinha descoberto documento envolvendo dezenas de deputados com uma empreiteira. Para ele, quanto maiores forem esses escândalos, mais forte fica sua defesa, baseada na tese das sobras de campanha. Ele pretende gastar o tempo na cadeia estudando os processos e preparando um livro sério “sem fofocas”, sobre sua experiencia e refletir sobre a possibilidade de vir a se candidatar a deputado.

Paulo Cesar Farias foi preso as 4h05, pouco depois de o comandante do avião da Varig ser avisado que estava em espaço aéreo controlado pelas autoridades brasileiras. O Boeing estava a 1800 milhas náuticas de São Paulo. O delegado Nascimento Paulino, da Polícia Federal, sentou-se ao lado de PC e deu voz de prisão formalmente, pedindo que ele desse recibo em dois documentos: as determinações do juiz Pedro Paulo castelo branco e do ministro Ilmar Galvao, do supremo, para que fosse detido.

Diplomatas e policiais brasileiros justificaram a pressa em trazer Paulo César Farias para o Brasil, admitindo que se ele ficasse mais um dia na Tailandia, podia conseguir um jeito de se libertar. PC Farias revelou ao Jornal do Brasil que tinha iniciado negociações que deveriam resultar, hoje ou amanhã (aniversário do rei) num perdão oficial. “Deve ter sido o problema do fuso horário. Por isso não deu certo”, diz PC. Ele insiste que tomou a decisão de sair da clandestinidade. Ou ficaria legalmente na Tailandia ou viria para o Brasil.

A capacidade de envolvimento de PC – que lhe foi certamente útil como tesoureiro de Color – foi demonstrada em Bancoc: ele fez amizade com oficiais tailandeses, chamando-os sempre de “my friends”, e com seus companheiros de cárcere, ajudando alguns a encontrar argumentos para saírem livres.

No avião, PC não gostou nada de saber que não estava na primeira classe. Viajou no segundo andar do Boeing 7747-400 da Varig, na classe executiva e, embora fosse área de não-fumantes, passou o voo fumando. Tomou champanhe francesa e várias doses de uísque. No começo, estava tenso incomodado, mas relaxou depois de sair do banheiro do avião, perfumado e com uma camisa Hermés, francesa limpinha, enviada por sua mulher. Ele passara quatro dias com a mesma roupa da hora em que foi preso.

Durante repetitivas entrevistas, PC insistiu na linha de sua defesa – “só usei dinheiro de campanha e não verbas públicas”- e disse que decidiu se expor para ser extraditado ou poder viver fora da clandestinidade. “Teria sido fácil continuar escondido, mas eu não aguentava mais isso. Não entraria em 94 assim” disse ele. Explicou que acha as condições política do Brasil agora muito mais favoráveis do que em junho e que “valeu a pena ter fugido”.

A única preocupação de PC Farias era a de descer do avião algemado. No voo, os delegados disseram que pretendiam algemá-lo na chegada. PC estava tão apreensivo que se confundiu quando Edson Oliveira ia pegar os headphones: “São algemas? Algemas, não!”, disse, assustado.

PC disse que não se sente ameaçado e garantiu “não ter nada contra ninguém”. “Não tenho por que entregar ninguém. Vou dar os nomes de pessoas que deram dinheiro para as campanhas eleitorais, porque preciso justificar os US$ 170 milhões que manipulei. Mas, ninguém precisa ficar preocupado, pois doações de campanha não são ilegais”, respondia ele.

Durante a fuga, PC se sentia acuado. “quem lê os pedidos de minha extradição, que o governo mandou, pensa que sou um bandido. Por isso era difícil conseguir me fixar abertamente em algum país. A Áustria, por exemplo, me daria um visto de dois anos. Mas eles me avisaram que se houvesse pressão política, eu teria que sair do país”.

PC se preparou par ao exílio

Paulo Cesar Farias estava se preparando para morar muito tempo no exterior. Seus planos eram de obter visto de algum país sem acordo de extradição para o Brasil. Por isso, a principal atividade nos seus cinco meses de fuga foi estudar inglês. “Era a única coisa que eu fazia em Londres. Tinha um professor que ia me ver todos os dias. Falo francês bem, mas só arranhava o inglês”, disse PC.

Ele preencheria facilmente os requisitos de vários países para o estabelecimento de imigrantes. A pedra no seu caminho era o pedido de extradição que o governo brasileiro espalhou pelo mundo, como o corrupto número um do país. “Esse negócio de corrupção hoje em dia é uma onda no mundo inteiro. Não é mais como antes, quando a gente podia se acertar com um país qualquer e dito eu não sou corrupto, mas essas acusações impressionam qualquer um”, lamentou PC. Ele disse que não via a mulher, Elma, que que deixara o Brasil, ao final de julho, iniciando seu périplo. Só a reencontrou em Bancoc, dia 23 de novembro. Ele deixou Londres dia 5, chegou a Bancoc dia 6, num voo regular da Thai, a empresa aérea tailandesa. Foi para o balneário de Phuket no dia 13 e no dia 16 viajou para Singapura, dia 18 para Bali e no dia 22 retornou a Bancoc, já com um visto tailandês de dois meses.

Vida clandestina não é fácil

A volta: “O momento político era muito pior para mim em junho, quando a prisão preventiva foi decretada. Não havia fatos novos e eu dominava completamente a mídia. Sozinho. Agora é diferente. Há muitos fatos novos, importantes para a instrução dos processos. Tenho melhores condições de provar que sou inocente”.

A fuga: “Eu achava que se ficassem em Londres ia acontecer a mesma coisa que houve na Tailândia. Eu acabaria preso. Tive informações de que o juíz ia fiar uma fiança de um milhão de livras. Eu não teria esse dinheiro para pagar”.

A Tailândia: “Escolhi este país porque queria conhecer a Ásia e porque não há Acordo de extradição com o Brasil. Mas eu sabia dos riscos. Aqui não tinha meio termo: ou saia da clandestinidade e ficava legalmente, ou seria extraditado. Eu estava cansado da vida clandestina e escolhi Bancoc como o lugar da definição.

A clandestinidade: “Eu perdi uns 10 quilos nesta vida clandestina. Não era nada fácil. Fiquei sem apartamento em Londres, de 1 de setembro a 2 de outubro sem sair uma vez. O porteiro nem me viu. Ao sair da Inglaterra, decidi que não entraria em 1994 com essa vida. meu prazo era janeiro. Ate lá, encontraria um país para viver às claras, ou voltava para acertar minhas pendencias com a Justiça no Brasil”.

A opção: “É claro que eu estava esperando ser reconhecido. Eu sabia que tinha voo da Varig para a Tailandia, fiquei no Sheraton. Quando um brasileiro discutiu comigo numa fresta no hotel, achei que tinha chegado a hora, e resolvi enfrentar. Eu podia ter ido para Phuket, uma praia ao sul da Tailandia. Mas resolvi enfrentar”

Itamar: “Não é verdade que eu tenha pensado em pedir asilo político na Tailandia e tenha dito que Itamar é meu inimigo. Não tenho nada contra Itamar”.

A verdade: “Um dia a verdade vai aparecer. Nunca peguei um centavo de dinheiro público. Estou pagando um preço alto por ter movimentado US$ 170 milhões, mas esse dinheiro não veio de verba pública. Foram doações particulares para duas campanhas políticas. Fui tesoureiro de campanha. Se dão dinheiro para campanha política, dão porque querem”. A preventiva: “Achei que foi dura demais a decretação da minha prisão preventiva. Eu tinha endereço certo, não tinha por que fugir sou o maior interessado em enfrentar os processos. Mas se eu ficasse, seria massacrado”.

Os processos: “Tenho certeza de que vou ser absolvido. Estão confundindo processos com inquéritos, que podem ou não ser aceitos pela Justiça”.

Collor: “Não me sinto traído pelo presidente Collor. Acho que devem dar um desconto nas coisas que a minha mulher falou sobre o presidente, e trabalhei na campanha dele. Ela estava sob forte emoção. Sou amigo do presidente e não é verdade que ele tenha me deixado sozinho. Não houve traição nenhuma. É que fui tesoureiro de campanhas políticas…”

Corrupção: “Não sei de corrupção alguma no governo Collor. Se houve, não fui eu que pratiquei e nem o presidente sabia de nada”.

Impeachment: “O presidente Collor não sofreu impeachment por causa de corrupção. Foi apenas porque não aceitou entrar nos conluios com políticos corruptos do Congresso, à moda antiga. Eu sempre dizia: ”Fernando, você tem que agradar os deputados. Até o Médici fazia isso, chamava os deputados e as mulheres deles para ver cinema no Alvorada. Ele não me dava ouvidos. E ainda tinha aqueles ministros , como o Bornhausen, que trabalharam contra o presidente, dentro do governo”.

O dinheiro: “Não tenho problemas financeiros. A fuga não custou tanto. Mantive o mesmo padrão de vida e gastava a mesma coisa que gastaria se estivesse no Brasil, com casa em São Paulo e em Maceió. Paguei tudo no exterior com dinheiro vivo. Eu não tenho cartão de crédito”.

A Inglaterra : “Saí da Inglaterra como entrei: legalmente. Comprei uma passagem de primeira na Thai (companhia aérea da Tailandia) para Bancoc, com escala em Nova Déli. Tinha havido atentados contra turcos e o aeroporto estava cheio de policiais. Mostrei meu passado em quatro controles e ninguém falou nada”.

Mãos limpas: “O que o Brasil precisa é de uma operação Mãos Limpas, mas do jeito brasileiro. Não pode ser como a da Itália, que acabou em 13 suicídios e arrasou a economia. O que não pode é que eu seja o bode expiatório do país”.

As congratulações: “Fui reconhecido várias vezes na Inglaterra por brasileiros, que me cumprimentaram. Eu sabia que eles não iam sair por aí me denunciando”.